quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Recordações

Lutar é vontade que não tenho,
Lutar é solução que não alcanço,
É vento em que vou e não venho,
É estrada em que ando e me canso

Lutar pelo que não acredito,
Lutar por um amor maldito
Que me corroeu o coração
E me trouxe de volta a solidão

Não, chega de tentar fugir
Da verdade que tenho de viver
Não, chega de querer iludir
O que o destino tem para oferecer

Sonhar... sim, mas já nem isso.
A noite escureceu assustadora
E tenho tudo o que preciso
Para uma melancolia tentadora

O amor é agora impossível,
A sua visão torna-se nublada,
A sua falta adivinha-se terrível
Para a minha alma dilacerada

Nada pode ser como era,
Não quero voltar a sofrer.
O meu mundo é uma esfera
Onde procuro me esconder

A emoção está controlada,
O coração foi aprisionado
Por uma razão já cansada
De um amor condenado

Estou solitário, sou solitário
E tento expiar minha amargura
Nestes versos sem destinatário
Testemunhos da minha loucura

Loucura que não enlouquece,
Sede que não pode ser saciada,
Uma verdade que não aparece
Quando a vida é menos que nada

A solidão não me dá dor,
A solidão é-me até familiar,
É antes uma forma de amor
Para a minha mágoa aliviar

Os meus olhos imploram chorar
Para que possam finalmente
Conseguir em paz descansar
De olhares que me deixam dormente

A esperança já não abunda
Num coração profundamente ferido
E é a alma que se afunda
Entre pensamentos sem sentido

Já nem sinto triste a tristeza,
Em nada muda o meu dia.
E contudo, sempre a certeza
De que é pouco mais que sombria

Escrevo o que sinto,
E vou sentido o que escrevo.
Falo de mim mas minto,
Não falo a verdade, não me atrevo

Vivo mas não respiro,
Olho mas não vejo
Quando nada a que aspiro
É aquilo que desejo

É triste? Não, é a vida.
São os caminhos errados,
Noites de alma sofrida,
De sonhos já toldados

Em tempos tudo foi diferente,
A brisa trazia frescura,
O sol era resplandescente,
A alegria era imensa e pura

E tudo acabou
E tudo se desvaneceu.
O amor me abandonou
E o sonho se esbateu

Tinha uma vida e ela foi roubada.
Tinha um coração e ele morreu.
E agora que não tenho nada
Olho as cinzas do que ardeu

Recupero o que se salvou,
Procuro algo onde nada existe,
Procuro o que não se esfumou
Para não me sentir tão triste

Recordar é viver
E eu vivo para recordar,
Recordo para não morrer
E morro por só recordar...

Maio/1999

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